tito, o nosso futuro


andamos nisto há quase 15 anos, metade da minha vida convosco.
conheci-vos em agosto numa estação de caminho de ferro que cheirava a poeira e a esperança. vestíamos t-shirts e calções, que brilhavam claras da cor da nossa adolescência. a mochila pesava, a abarrotar de expectativas e muitas fantasias. a mochila, quase aos trinta, continua a mesma e amanhã volta a fazer-se à estrada. (curiosamente as expectativas fantasistas também ainda lá moram)

eu estava apaixonada pelo rapaz de riso fácil, cara bonita, corpo franzino. 
havia um outro rapaz, corpo maior, barba já a despentear-lhe o rosto, que tinha o braço ao peito e uma dor no ombro maior que a que trazia no peito. não me deixava chegar perto, tinha medo que o abraço lhe machucasse o braço ou talvez o coração. ali logo decidi que demoraríamos muito tempo a ser amigos, e assim foi.
a miúda mais bonita do autocarro tinha o cabelo castanho escuro aos caracóis. os olhos meio perdidos, sorria discreta ao lado da prima, essa de beleza exuberante, olhos verdes felinos. 
ninguém era indiferente a esta dupla, que reclamava olhares. o meu rapaz franzino não era excepção.  
bastou um dia apenas para perceber que a mulher da vida dele naquele verão era a miúda mais bonita do autocarro, de quem só agora eu sabia o nome. ela era tão doce que me sossegou o desgosto. ali logo percebi que seríamos amigas verdadeiras, rapazes à parte, e assim foi.
chorei muito, perdida nos caminhos de mato daquele verão. enquanto a miúda mais bonita do autocarro e o rapaz franzino sorriam felizes e o rapaz do braço ao peito se distraía com guitarras, pensamentos e outros rapazes e raparigas que para lá havia, entretidos a cantar, a falar, a crescer.

aos 15 anos não sabemos, porque não podemos saber, que a terra gira muito, muitas vezes. 
que chegaria o tempo de sorrir feliz com o rapaz franzino, alguns verões depois. ele far-me-ia sentir a miúda mais bonita do autocarro, do ferry, da praia. o rapaz maior tirou o braço do peito e fotografou o nosso amor, sem nunca largar a guitarra (e o cigarro). o seu olhar permaneceu desconfiado, mas também sedutor e cúmplice. um dia, cruzou-se com a cachopa dos caracóis castanhos e passou pelo menos uma estação (do ano) e de caminhos de ferro (várias) até perder o medo de machucar o coração. a fractura no ombro tinha sarado, mas o que fazer à do peito? descobriram caminhos novos, cresceu ele, cresceu ela, chegaram e partiram, cresceram juntos, e fizeram-se uma dupla bonita, ao lado de quem sabe bem estar.

no fim de um verão de outra década, a notícia: vinha a caminho mais um de nós. 

esperámos por ti, que chegarias em abril, como os cravos, e em dia de calor.
ao ver-vos aos três deixei a miúda que fui no autocarro da memória e cresci também.

és sereno, quente, e quando te conheci estavas de olhos fechados mas confiaste em mim. olhava-te de coração escancarado, assombrada pela tranquilidade que transmitias. ganhei uma tarde a conhecer-te e a enamorar-me logo, olhos rasos de sal. 

um dia conto-te tudo, agora ainda é cedo. hoje, encontrei a cama sonora perfeita para escrever a nossa história ao ritmo certo. já há muito o queria fazer.



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